Tratamento da doença pulmonar crónica do enxerto contra o hospedeiro em adultos
Compreender as orientações profissionais.
Content Table
Introdução
A quem se destina este documento e de que trata?
Este documento explica as recomendações das orientações clínicas da European Respiratory Society (ERS) e da European Society for Blood and Marrow Transplantation (EBMT) para a doença pulmonar crónica do enxerto contra o hospedeiro (cGvHD, também chamada de cGvHD pulmonar) em adultos. Centra-se numa forma de cGvHD pulmonar conhecida como síndrome de bronquiolite obliterante (BOS). Destina-se a pessoas que sofrem de BOS na cGvHD, aos seus familiares ou cuidadores. Estas orientações não abrangem crianças com a doença ou outros tipos de cGvHD, como a GvHD aguda. Também não incluiu pessoas que desenvolvem a doença após um transplante pulmonar.
O que são orientações clínicas?
As orientações clínicas são elaboradas no seguimento de um processo científico utilizado para reunir e avaliar as provas mais recentes no domínio. As orientações também levam em conta as opiniões dos especialistas e as prioridades dos pacientes e dos cuidadores que tenham a experiência de uma doença. As orientações clínicas são elaboradas para profissionais de saúde. São utilizadas como um documento de boas práticas de diagnóstico, gestão e tratamento de doenças
O que inclui este documento?
O documento resume os pontos principais das orientações clínicas da cGvHD pulmonar. Explica-os de uma forma mais fácil de compreender por pessoas que não trabalham na área médica. Inclui recomendações sobre a forma como o BOS deve ser tratado.
Ao fornecer estas informações de uma forma acessível, este documento destina-se a ajudar as pessoas com cGvHD pulmonar a compreender melhor os cuidados que devem receber. Isto pode ajudá-las a tomar decisões informadas sobre as suas opções de tratamento.
Atualmente, não existe uma abordagem padrão para a gestão desta doença. O objetivo destas orientações é fornecer sugestões para um plano de tratamento, com base nas últimas evidências disponíveis e na opinião de especialistas. As recomendações destas orientações são classificadas como “condicionais” porque há falta de evidências sobre o tema. Isto significa que os profissionais de saúde podem sugerir opções de tratamento diferentes aos indivíduos afetados.
As recomendações condicionais da orientações completas são ilustradas com este ícone.
O que é a doença pulmonar crónica do enxerto contra o hospedeiro e a síndrome da bronquiolite obliterante (BOS)?
A doença do enxerto contra o hospedeiro é uma complicação que pode ocorrer após um transplante alogénico de células estaminais hematopoiéticas.
O transplante alogénico de células estaminais hematopoiéticas é uma opção de tratamento para uma série de doenças que afetam o sangue. Envolve a transferência de células de uma pessoa para outra. Este tipo de transplante de células estaminais envolve a transferência de células capazes de produzir novas células sanguíneas no organismo do recetor. Pode ser utilizado para tratar uma série de doenças, incluindo a anemia e cancros do sangue, tais como a leucemia, o linfoma e o mieloma.
Pode afetar qualquer órgão. Nesta doença, as células transplantadas (o enxerto) reconhecem o organismo do doente (o hospedeiro) como algo “estranho” e atacam os órgãos do paciente, como a pele, o estômago, o fígado e os pulmões, provocando lesões nos órgãos. A doença pode ocorrer logo após o transplante de células estaminais (aguda) ou desenvolver-se mais tarde (crónica), caso em que mais órgãos poderão ser afetados. Estas orientações analisam a GvHD crónica (cGvHD) que ocorre frequentemente mais tarde.
Estas orientações centram-se na cGvHD que afeta os pulmões. Centram-se numa forma de cGvHD pulmonar conhecida como síndrome de bronquiolite obliterante (BOS).
A BOS pode ocorrer após o transplante de células estaminais, mas também após o transplante pulmonar. É uma forma de o corpo rejeitar o transplante. É causada por inchaço (inflamação) e danos (cicatrização) das vias respiratórias. Isto faz com que as vias respiratórias se estreitem, resultando em falta de ar. Também pode reduzir a capacidade de uma pessoa fazer exercício ou realizar atividades do dia a dia.
O estreitamento das vias respiratórias pode agravar-se com o tempo, acabando por provocar a falência dos pulmões do indivíduo. Isto pode significar que uma pessoa precisa de receber oxigénio ao longo do dia ou, na pior das hipóteses, pode causar a morte. Cerca de 5-14% das pessoas que recebem um transplante de células estaminais desenvolvem BOS no prazo de cinco anos após o procedimento de transplante, embora os especialistas considerem que as percentagens estão subestimadas.
Como deve ser tratada a síndrome da bronquiolite obliterante na doença pulmonar crónica do enxerto contra o hospedeiro?
Logo após o transplante de células estaminais, são administrados medicamentos, conhecidos como imunossupressores, para ajudar a impedir que o organismo rejeite as novas células. Geralmente, estes são reduzidos de forma gradual até serem suspensos, para prevenir efeitos secundários como a infeção. Em caso de GvHD a curto ou longo prazo, estes imunossupressores são retomados. Estas orientações analisaram que outros medicamentos poderiam ser utilizados em conjunto com os tratamentos imunossupressores.
Medicação
Corticosteroides inalados e broncodilatadores
Os corticosteroides são medicamentos que reduzem o inchaço (inflamação). Os broncodilatadores atuam relaxando os músculos das vias respiratórias para facilitar a respiração. Tanto os corticosteroides como os broncodilatadores são geralmente tomados como um spray ou pó que se inspira (inala) utilizando um dispositivo inalador. Os corticosteroides são frequentemente administrados em conjunto num inalador combinado com broncodilatadores para aumentar a sua eficácia. Ambos os medicamentos são habitualmente utilizados para tratar doenças pulmonares, como a asma ou a doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC).
Os corticosteroides inalados com ou sem broncodilatadores podem ser considerados para tratar a BOS na cGvHD pulmonar em adultos. É importante selecionar o melhor dispositivo para administrar a medicação para cada indivíduo. Também pode ser dada formação sobre a utilização de inaladores para assegurar que a medicação é tomada corretamente.
Para obter mais informações sobre como usar um inalador corretamente, Asthma + Lung UK dispõe de uma seleção de vídeos que pode ver.
Fluticasona, azitromicina e montelucaste (terapêutica FAM)
A fluticasona, a azitromicina e o montelucaste são três medicamentos diferentes. A fluticasona é um corticosteroide inalado. A azitromicina e o montelucaste são comprimidos que reduzem o inchaço (inflamação). Podem ser utilizados em conjunto em diferentes combinações para tratar a BOS. Se estes medicamentos forem utilizados em conjunto, são conhecidos como a terapêutica FAM.
A fluticasona, a azitromicina e/ou o montelucaste podem ser considerados para tratar a BOS na cGvHD pulmonar em adultos. Pessoas com alto risco de desenvolver cancro devem ter cuidado ao tomar azitromicina. Os profissionais de saúde devem falar com estes doentes sobre os riscos.
Medicamentos habitualmente utilizados para o cancro e a doença do enxerto contra o hospedeiro
O imatinib é um medicamento utilizado para tratar o cancro e a GvHD. É uma terapêutica direcionada, o que significa que funciona encontrando e atacando as células cancerosas. Na cGvHD, atua impedindo que as células transplantadas (o enxerto) ataquem o sistema imunitário do recetor (hospedeiro).
O imatinib não apresenta nenhum benefício substancial no tratamento da BOS na cGvHD pulmonar em adultos, em comparação com os tratamentos imunossupressores convencionais. Os profissionais de saúde devem analisar que outros órgãos são afetados pela cGvHD, dado que o imatinib pode melhorar ou agravar outros sintomas da cGvHD. O imatinib pode ser uma opção em pacientes com BOS e recidiva de alguns tipos de cancro (leucemia mieloide crónica).
O ibrutinib é uma outra terapêutica direcionada utilizada para tratar o cancro e a GvHD. Atua bloqueando o crescimento de alguns tipos de cancro. Na cGvHD, atua impedindo que as células transplantadas (o enxerto) ataquem o sistema imunitário do recetor (hospedeiro).
Em geral, o ibrutinib não deve ser considerado para tratar a BOS na cGvHD pulmonar em adultos, porque considera-se que não é muito eficaz e pode provocar muitos efeitos secundários, embora possa funcionar num grupo selecionado de pessoas onde não estão disponíveis outras opções de tratamento.
O ruxolitinib é uma terapêutica direcionada utilizada para o cancro e a GvHD. É utilizado quando o corpo produz demasiadas células sanguíneas ou quando há cicatrizes na medula óssea. Na cGvHD, atua impedindo que as células transplantadas (o enxerto) ataquem o sistema imunitário do recetor (hospedeiro).
Atualmente, não existem evidências suficientes que sugiram o benefício do ruxolitinib no tratamento da BOS na cGvHD pulmonar em adultos, em comparação com os tratamentos imunossupressores convencionais. Os profissionais de saúde devem utilizá-lo cuidadosamente, em especial em pessoas com um historial de infeções repetidas ou doenças que afetam as células sanguíneas.
Medicamentos concebidos para tratar a doença crónica do enxerto contra o hospedeiro
O belumosudil é um tipo de terapêutica direcionada que procura tratar a cGvHD. Este medicamento atua tratando a inflamação que ocorre na doença do enxerto contra o hospedeiro e provoca danos nos órgãos. Este tratamento foi aprovado para pacientes nos EUA em 2021, mas ainda não está aprovado na Europa à data da redação deste documento.
Atualmente, não existem evidências suficientes que sugiram o benefício do belumosudil no tratamento da BOS na cGvHD pulmonar em adultos, em comparação com os tratamentos imunossupressores convencionais.
Outros procedimentos e operações
Fotoferese extracorpórea
A fotoferese extracorpórea é um procedimento não cirúrgico para tratar a cGvHD. O tratamento tem como alvo os linfócitos, um tipo de glóbulo branco que faz parte do sistema imunitário e é responsável pela rejeição do transplante. Durante o procedimento, o sangue do paciente passa por uma máquina para separar os glóbulos brancos do resto do sangue. Os glóbulos brancos são combinados com um medicamento, depois expostos à luz ultravioleta para “ativar” o medicamento e, finalmente, transferidos novamente para o paciente.
O procedimento de fotoferese extracorpórea é frequentemente feito durante dois dias e repetido a cada duas semanas (costuma ser menos frequente após algumas semanas).
Leia sobre a experiência de Sam com o tratamento de fotoferese extracorpórea
A fotoferese extracorpórea pode ser considerada para tratar a BOS na cGvHD pulmonar em adultos. É um tratamento altamente especializado e apenas alguns hospitais dispõem do equipamento e da experiência necessários para realizar o procedimento.
O transplante pulmonar é uma operação para remover e substituir um pulmão doente por um pulmão saudável de um dador. Pode ser uma opção de tratamento para pessoas que vivem com cGvHD.
Num grupo selecionado de adultos que estão nos estágios finais da BOS na cGvHD pulmonar, o transplante pulmonar pode ser considerado como uma opção de tratamento. É necessário elaborar os critérios específicos que definem para quem seria mais adequada esta opção de tratamento.
Monitorização
Testes de função pulmonar
Os testes de função pulmonar são utilizados para medir o funcionamento dos pulmões. Podem ajudar a diagnosticar e monitorizar uma série de condições pulmonares.
Um teste da função pulmonar habitualmente utilizado para monitorizar a cGvHD é a espirometria. A espirometria é realizada inspirando profundamente e expirando com força para um dispositivo chamado espirómetro. O teste mede a quantidade de ar nos pulmões e a rapidez com que uma pessoa consegue expirar. Pode ajudar a indicar se as vias respiratórias de uma pessoa estão estreitadas (o que pode ser um sinal de BOS) e a monitorizar o efeito do tratamento.
Outros testes de função pulmonar incluem um teste de volume pulmonar e um teste de transferência de gases.
Devem ser considerados testes de espirometria a cada três meses para a BOS na cGvHD pulmonar.
Pode ser considerada uma combinação de todos os testes de função pulmonar para monitorização. Sugere-se que sejam realizados no momento em que a BOS é diagnosticada, todos os anos após o diagnóstico e também quando a doença progride.
Tomografias computorizadas
Uma tomografia computorizada do tórax utiliza os raios X e um computador para criar imagens detalhadas do interior dos pulmões. As tomografias computorizadas podem ser utilizadas para detetar doenças como infeções, rejeições ou tumores.
Sugere-se a realização da tomografia computorizada do tórax de alta resolução no momento do diagnóstico da BOS e se houver alterações nos sintomas no futuro
Outras opções de tratamento e prevenção
Existem outras medidas que podem ajudar as pessoas que vivem com BOS na cGvHD pulmonar. Estas incluem medidas de prevenção, como vacinação, deixar de fumar e a reabilitação pulmonar.
Pode ser considerada uma série de outras terapêuticas para ajudar as pessoas que vivem com BOS na cGvHD pulmonar:
- Vacinações anuais contra a gripe, de acordo com as recomendações existentes para os recetores de transplantes de células estaminais.
- Vacinação pneumocócica, que protege contra a pneumonia, de acordo com as recomendações existentes para pessoas que vivem com cGvHD.
- Vacinação contra a COVID-19 com repetidas doses de reforço, de acordo com as políticas locais e recomendações existentes para os recetores de transplantes de células estaminais.
- Medicação, conhecida como profilaxia antimicrobiana, para reduzir o risco de determinadas infeções, de acordo com os conselhos existentes para as pessoas que vivem com cGvHD.
- Terapêutica com imunoglobina, que pode ajudar as pessoas com o sistema imunitário enfraquecido a combater infeções. Esta deve ser oferecida de acordo com os conselhos existentes para as pessoas que vivem com cGvHD.
- Exercício e atividade, incluindo programas formais de reabilitação pulmonar, para pessoas com níveis reduzidos de exercício.
- Oxigenoterapia a longo prazo para pessoas que experimentam falta de ar extrema, de acordo com as recomendações existentes para pacientes com doença pulmonar obstrutiva crónica.
Outras leituras
Estas orientações foram produzidas pela European Respiratory Society, a European Society for Blood and Marrow Transplantation (EBMT) e a European Lung Foundation. Pode saber mais sobre estas organizações e aceder às orientações profissionais completas através das ligações abaixo:
Guia clínico completo – publicado no European Respiratory Journal em março de 2024.
Sobre a ERS
A European Respiratory Society (ERS) é uma organização internacional que reúne médicos, profissionais de cuidados de saúde, cientistas e outros especialistas que trabalham na área da medicina respiratória. É uma das organizações líderes no campo da respiração, com uma adesão crescente que representa mais de 140 países. A missão da ERS é promover a saúde pulmonar para aliviar o sofrimento causado pela doença e orientar as normas da medicina respiratória a nível mundial. A ciência, a educação e a sensibilização estão no centro de tudo o que faz. A ERS participa na promoção da investigação científica e no fornecimento de acesso a recursos educativos de alta qualidade. Também desempenha um papel importante na sensibilização, aumentando a consciência da doença pulmonar entre o público e os políticos.
Sobre a EBMT
A European Society for Blood and Marrow Transplantation (EBMT) é uma organização médica e científica sem fins lucrativos criada em 1974, responsável por um registo único de doentes que fornece um conjunto de dados para a realização de estudos e a avaliação de novas tendências. O seu objetivo é ser a ponte entre doentes, investigadores e outras partes interessadas para antecipar o futuro das terapias celulares e à base de células estaminais. A sua comunidade de profissionais de saúde está centrada na inovação, na investigação e no avanço destes campos para salvar e melhorar as vidas dos pacientes com doenças relacionadas com o sangue.
Sobre a ELF
A European Lung Foundation (ELF) foi fundada pela ERS para reunir os pacientes e o público com os profissionais. A ELF produz versões públicas das orientações da ERS para resumir as recomendações feitas aos profissionais de saúde na Europa, num formato fácil de compreender. Estes documentos não contêm informações detalhadas sobre cada doença e devem ser utilizados em conjunto com outras informações do paciente e conversas com o seu médico. Pode encontrar mais informações sobre doenças pulmonares no website da ELF.